Fundação E(c)llipse, o BPP nas artes<br>- Negociatas & Figurões
Ao ler o que a comunicação social vai publicando sobre o BPP, é bastante curioso registar o que é dito, como é dito, quando é dito. Não se enquadra nos critérios jornalísticos investigar como é que Rendeiro, com os bens congelados, vive com um padrão de vida que pressupõe gastos superiores a muitas dezenas de milhares de euros mensais. Mas mal Rendeiro abre a boca, depois de magicar um plano de recuperação do BPP em que ninguém acredita, tem direito a primeiras páginas de jornais e tempo de antena na televisão como o PCP não tem. Alguém sabe, alguém quererá realmente saber quanto dinheiro têm os Rendeiros e os Loureiros nas contas bancárias, as suas e às que têm acesso, dentro e fora dos paraísos fiscais?
Curioso é o caso da Fundação Ellipse. Uma trapalhada de um fundo de investimento em arte que rentabilizaria os investimentos feitos a curto prazo e que passou a ter um horizonte de longo prazo, assumindo Rendeiro o papel de investidor principal ao lado do BPP, onde ele era o que se sabe. Rendeiro, numa entrevista à Artecapital procura explicar essa mutação por um acesso de súbito e entranhado amor à arte. Atreve-se mesmo a dizer que «certas coisas que hoje gosto e aprecio imenso, se calhar, há cinco anos não apreciava ou até não compreendia de todo. Essa abertura do gosto à mudança é, penso, um dos lados mais fascinantes deste mundo do coleccionismo e da arte contemporânea.» Apesar da formulação mais cuidada que a de Berardo, o que sobressai de toda a entrevista é que o personagem deve julgar que Caravaggio, Courbet ou Dix são jogadores de futebol, que a história de arte começou em meados do séc. XX nos Estados Unidos. Daí o uso a torto e a direito de palavras inglesas, deve estar convencido que isso é sinal de civilização, a começar pelo nome Ellipse Foundation, em exposição num Art Center, ser um player no mundo da arte contemporânea. etc. Percorrendo a colecção na Internet a mediocridade de quase toda a colecção, mesmo se olhada unicamente como investimento, deve ter feito fugir a sete pés investidores mais atentos à bolsa das artes, apesar dos truques socialites que deram visibilidade à abertura do Art Center, no dia do aniversário deRendeiro, com cocktails de apresentação em Madrid, Nova Iorque e Basileia, festejos de variada pirotecnia em Portugal que lhe valeram um lugar na Art Review entre as cem personalidades mais influentes na arte actual. Nada que espante neste mundo medíocre de mundanidades em que a arte, cada vez mais encarada como um objecto de luxo e moda, se afoga.
Uns artistas
A passagem do curto prazo para o longo prazo é um truque, mais um, a juntar ao da selecção dos curadores da fundação. Pedro Lapa, director do Museu do Chiado que comprava para os dois lados os mesmos artistas e distribuía selos de garantia institucional organizando exposições desses mesmos artistas no museu que dirige. Alexandre Melo, assessor para a cultura do 1.º ministro, ex-conselheiro de Berardo, construtor de reputações artísticas e manipulador da história de arte (1), Manuel Gonzalez ligado à colecção do banco JP Morgan Chase. Um trio para garantir cotações, não qualquer relevância artística e estética. Promiscuidades evidentes, faladas no estrangeiro por cá nem por isso. Normal num país dos ananases, como dizia o outro, sempre é um fruto mais luxuoso que as bananas. Não estamos na América do Sul, estamos na União Europeia!
O que Rendeiro afirma varia em função do interlocutor e do órgão da comunicação social. Na Artecapital «colecção, colocada ao serviço da comunidade, para ser vista, isso, em si mesmo, é uma lógica de serviço público». No Isto é Dinheiro «o produto financeiro anunciado é semelhante a um fundo de investimento internacional. Os investidores serão cotistas da Ellipse Foundation. (…)será preciso esquecer o dinheiro durante um período que pode variar entre os sete e os nove anos (…) No longo prazo, os ganhos são atraentes». A paixão pela arte é um negócio, a paixão pelo negócio é uma arte. Entre as duas venha o diabo e escolha. Este não é o universo da arte é o universo dos futuros e derivados bolsistas, um dos pilares da crise económica.
No afundamento do BPP a Fundação Ellipse reaparece na comunicação social. Começou por se dizer que poderia salvar o BPP, sem ser piada dos Gatos Fedorentos ou dos Contemporâneos! Agora, quando Rendeiro é constituído arguido, volta a falar-se nas oitocentas e cinquenta obras de arte e no seu eventual valor, embora pareça não se saber ao certo quanto o BPP investiu. Devia-se saber quanto de facto se gastou a comprar aquele acervo, quantas são as obras compradas e para quem, quanto é que valem hoje. Sempre se ficaria mais próximo da realidade limpa de especulações estéticas, dotadas de grande maleabilidade e facilmente vítimas da vigarice intelectual, crime não previsto no Código Penal. Calavam-se, pelo menos temporariamente, esses figurões, que gravitam no universo das artes e fundações, esperando um novo tempo em que se afundem no pântano em que transformaram as artes.
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(1) Leia-se o seu último livro editado, não desmerece dos anteriores, Arte e Artistas em Portugal/Art and Artists in Portugal, encomenda do Instituto Camões para profusa distribuição na oportunidade da última presidência portuguesa na UE
Curioso é o caso da Fundação Ellipse. Uma trapalhada de um fundo de investimento em arte que rentabilizaria os investimentos feitos a curto prazo e que passou a ter um horizonte de longo prazo, assumindo Rendeiro o papel de investidor principal ao lado do BPP, onde ele era o que se sabe. Rendeiro, numa entrevista à Artecapital procura explicar essa mutação por um acesso de súbito e entranhado amor à arte. Atreve-se mesmo a dizer que «certas coisas que hoje gosto e aprecio imenso, se calhar, há cinco anos não apreciava ou até não compreendia de todo. Essa abertura do gosto à mudança é, penso, um dos lados mais fascinantes deste mundo do coleccionismo e da arte contemporânea.» Apesar da formulação mais cuidada que a de Berardo, o que sobressai de toda a entrevista é que o personagem deve julgar que Caravaggio, Courbet ou Dix são jogadores de futebol, que a história de arte começou em meados do séc. XX nos Estados Unidos. Daí o uso a torto e a direito de palavras inglesas, deve estar convencido que isso é sinal de civilização, a começar pelo nome Ellipse Foundation, em exposição num Art Center, ser um player no mundo da arte contemporânea. etc. Percorrendo a colecção na Internet a mediocridade de quase toda a colecção, mesmo se olhada unicamente como investimento, deve ter feito fugir a sete pés investidores mais atentos à bolsa das artes, apesar dos truques socialites que deram visibilidade à abertura do Art Center, no dia do aniversário deRendeiro, com cocktails de apresentação em Madrid, Nova Iorque e Basileia, festejos de variada pirotecnia em Portugal que lhe valeram um lugar na Art Review entre as cem personalidades mais influentes na arte actual. Nada que espante neste mundo medíocre de mundanidades em que a arte, cada vez mais encarada como um objecto de luxo e moda, se afoga.
Uns artistas
A passagem do curto prazo para o longo prazo é um truque, mais um, a juntar ao da selecção dos curadores da fundação. Pedro Lapa, director do Museu do Chiado que comprava para os dois lados os mesmos artistas e distribuía selos de garantia institucional organizando exposições desses mesmos artistas no museu que dirige. Alexandre Melo, assessor para a cultura do 1.º ministro, ex-conselheiro de Berardo, construtor de reputações artísticas e manipulador da história de arte (1), Manuel Gonzalez ligado à colecção do banco JP Morgan Chase. Um trio para garantir cotações, não qualquer relevância artística e estética. Promiscuidades evidentes, faladas no estrangeiro por cá nem por isso. Normal num país dos ananases, como dizia o outro, sempre é um fruto mais luxuoso que as bananas. Não estamos na América do Sul, estamos na União Europeia!
O que Rendeiro afirma varia em função do interlocutor e do órgão da comunicação social. Na Artecapital «colecção, colocada ao serviço da comunidade, para ser vista, isso, em si mesmo, é uma lógica de serviço público». No Isto é Dinheiro «o produto financeiro anunciado é semelhante a um fundo de investimento internacional. Os investidores serão cotistas da Ellipse Foundation. (…)será preciso esquecer o dinheiro durante um período que pode variar entre os sete e os nove anos (…) No longo prazo, os ganhos são atraentes». A paixão pela arte é um negócio, a paixão pelo negócio é uma arte. Entre as duas venha o diabo e escolha. Este não é o universo da arte é o universo dos futuros e derivados bolsistas, um dos pilares da crise económica.
No afundamento do BPP a Fundação Ellipse reaparece na comunicação social. Começou por se dizer que poderia salvar o BPP, sem ser piada dos Gatos Fedorentos ou dos Contemporâneos! Agora, quando Rendeiro é constituído arguido, volta a falar-se nas oitocentas e cinquenta obras de arte e no seu eventual valor, embora pareça não se saber ao certo quanto o BPP investiu. Devia-se saber quanto de facto se gastou a comprar aquele acervo, quantas são as obras compradas e para quem, quanto é que valem hoje. Sempre se ficaria mais próximo da realidade limpa de especulações estéticas, dotadas de grande maleabilidade e facilmente vítimas da vigarice intelectual, crime não previsto no Código Penal. Calavam-se, pelo menos temporariamente, esses figurões, que gravitam no universo das artes e fundações, esperando um novo tempo em que se afundem no pântano em que transformaram as artes.
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(1) Leia-se o seu último livro editado, não desmerece dos anteriores, Arte e Artistas em Portugal/Art and Artists in Portugal, encomenda do Instituto Camões para profusa distribuição na oportunidade da última presidência portuguesa na UE